Reencontros com a Faxineira de Ilusões II
Ela sempre retorna à nossa aldeia...
Sempre esta Mulher aparece inesperadamente.
Chega calada, em total solidão, mas presença forte que é, sempre iluminando o momento de sua chegada.
Silenciosa e questionadora Ela percorre as ruas, encontra pessoas, relembra fatos, não entende algumas ações (ou ausências delas?), chora tristezas novas, aplaude vitórias de filhos daqui em terras distantes, mas ressente-se por impossibilidades e abre os braços para o nada como se perguntasse tantos porquês.
Agora somatiza as dores e vivencia as mágoas de uma aldeia que, aos poucos, vai perdendo a sua história...
Paro o meu labor e converso com a Mulher que aparece inesperadamente...
Sempre contemplativa nunca diz o motivo de sua melancolia, porém é latente a dor que sente vendo as suas lembranças vitais serem esmagadas pornovos interesses e por indesejadas pessoas que chegam como midas deturpados enterrando uma verdadeira história.
Acompanho os seus passos... Ela anda por lugares que lhe falam de doação de homens que amavam a aldeia e sente tanta saudade. O que a deixa triste?
A Mulher que ama cada pedacinho deste chão vê refletido nele a desesperança, o esquecimento, a falta de memória, o desamor.
A saudade que sente das pessoas que não estão mais aqui a aniquila. Como pensa sobre elas! Serão lembradas depois que se foram? Registraram suas construções? Ensinam às novas gerações quem foram os verdadeiros homens de bem da aldeia?
Lembro-me muito dela... nossas vidas muitas vezes cruzaram-se e sempre aprendi ouvindo suas palavras.
Ela chegava como uma Medusa-só que bondosa - e suas cabeças iluminadas irradiavam alegria e eram transformadas em sentimentos de gratidão, eram aplausos por todos os fazeres e cantares de sua aldeia que amava tanto.
Por isso buscou o que sempre lhe preencheu quando aqui está. E nada encontrou!
Esta Mulher também é uma sonhadora. E por guardar quimeras dentro da alma ainda acredita na restauração de sua aldeia. E anda e procura... Vê um movimento bonito de doação de vida para tantas vidas que precisam.
Fica feliz e renova o esperança dentro de si.
Por isso continua a (re)ver, a (re)conhecer, a desconhecer seus lugares!
Anda por tantos caminhos! Sobe a colina onde mulheres abnegadas acreditaram num ideal e construíram uma história que será comemorada em seu centenário.
Homens de bem não mais estão aqui, homens que desfrutavam da alegria de serem doadores de idéias, de recursos, distribuidores de esperanças, agora habitam em outros céus.
Quantas lacunas!
Onde está a sua aldeia, meu Deus?
-Sentamos numa praça que foi tão linda e por muito tempo abrigou animais, palco de tantas poses infantis. Uma praça, espaço de tantos encontros...
E observamos os barulhentos pássaros que perderam seu habitat e protestam descansando nas árvores. E desprezamos o descaso pela aldeia tão linda e que precisa de cuidados e olhares especiais.
Falo de minha rotina na aldeia que amamos. Do lixo que domina seu chão! Varro, lavo, tiro das esquinas o que foi acumulado. Tudo tão representativo de quem nela vive.. E, sendo Faxineira das Ilusões, comento as mais difíceis tarefas do meu dia a dia...Aspirar indignidades , desinfetar a infâmia de tantos comentários descabidos, aspergir olhares de inveja e mal dizer. Do esforço em conviver com pessoas que gostaria que estivessem em monturos para desenvolvimento do amadurecimento moral e espiritual.
Melancólica, a Mulher falou das gentes que são passado, das gerações que ainda sobrevivem aqui, da alegria de saber algumas ações de jovens e suas descobertas desafiando os dissabores da região.
E entoa um canto lindo de vida e bem querer. De vontades bonitas para as vidas que habitam nesta aldeia. E saúda o por do sol que todo entardecer avisa que vale a pena viver.
Eu, amante de Vênus e visitante de Centauros , embalo o meu coração para receber toda a energia daquela Mulher que chega sempre silenciosa e comunga com todos que a conhecem o pensamento de desprezo pelas indignidades, mostrando a dimensão do olhar de quem traduz esperança e abomina ingratidões e traições.
Ela, A Mulher que sofra, sonha e acredita guarda lembranças e valoriza memórias, muitas memórias.
Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia.